Comparações entre a USP e universidades estrangeiras: em quais termos isso faz sentido?

Por vezes, a comparação entre indicadores da USP e de universidades estrangeiras foi proposta como forma de situar a USP em contextos de gestão e modelos de universidade. As ferramentas de avaliação, no entanto, são bastante subjetivas e distorcidas pelo que entendemos como “universidades de ponta”. Os critérios para ranquear as universidades, geralmente, levam mais em conta os indicadores objetivos de produção acadêmica do que o cumprimento adequado do papel proposto por cada universidade. A proposta deste artigo é avaliar os indicadores de universidades estrangeiras e realizar uma comparação com os da Universidade de São Paulo para, assim, pensar se essas comparações são realmente úteis para entender a “desvantagem” da USP diante das universidades estrangeiras, avaliar se essas comparações podem nos ajudar a entender a atual crise financeira e pensar sobre o modelo de universidade que temos (e queremos).

Coleta de dados e seleção das universidades

O último artigo publicado no blog (http://wp.me/p50mC2-1u) enfatizou a limitação de acesso às informações sobre as políticas e despesas da USP – que descumprem a Lei Federal 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação. Sobre esse aspecto, nem todas universidades estrangeiras selecionadas para realizar esta análise disponibilizam os dados básicos sobre a composição da comunidade universitária e seus recursos orçamentários. Os esforços se concentraram na obtenção de dados sobre quatro variáveis: número de graduandos, número de pós-graduandos, número de professores e total de despesas. Dessas, somente o número de professores está completo para as 31 universidades selecionadas.

O objetivo era selecionar universidades de diferentes países com base na sua classificação em rankings internacionais. As líderes concentram-se somente em Estados Unidos, Reino Unido, Suíça e Canadá, motivo pelo qual o critério de seleção das instituições foi ampliado e inclui mais países. Foram confrontados diferentes índices, para diminuir o viés.

As universidades estadunidenses somam 11 casos na amostra. Também consideramos a inclusão de universidades que não pertencem à Ivy League, grupo de 8 universidades antigas e renomadas do noroeste dos Estados Unidos. Para amenizar o viés que a similaridade do modelo dessas universidades poderia causar, outras 4 universidades estadunidenses bem conceituadas foram incluídas: Caltech, Stanford, MIT e Berkeley.

Reino Unido e Canadá estariam representados por 7 universidades. Porém, as informações da University College London (Reino Unido) e da McGill University (Canadá) não foram encontradas. Assim, o Canadá passou a ter apenas 2 casos e o Reino Unido, 3.

As universidade da América do Sul, da Ásia e da Europa continental possuem problemas similares entre si. Boa parte delas disponibiliza os dados de forma incompleta. Essa foi a causa de excluirmos a Universidade de Buenos Aires e as Católicas do Uruguai e da Colômbia. As universidades japonesas possuem bons dados disponíveis, mas somam apenas 2 casos entre os selecionados.

Ordenação das universidades nos gráficos

Com o objetivo de facilitar a comparação entre os resultados obtidos e a visualização dos gráficos, as universidades são listadas de acordo com sua posição no ranking QS Top Universities, um dos critérios utilizados para seleção dos casos. Exceção será aplicada à análise do número de alunos. Dada a grande disparidade no número de matriculados, a ordenação dos casos será realizada com base no tamanho da comunidade acadêmica e separada em dois gráficos para facilitar a visualização.

A lista completa de universidades e a posição no ranking é apresentada na tabela abaixo:

Posição no ranking QS Top Universities País Universidade
1 EUA MIT
2 EUA Harvard
3 RU Cambridge
5 RU Imperial College
6 RU Oxford
7 EUA Stanford
8 EUA Yale
10 EUA Caltech
10 EUA Princeton
13 EUA Pensilvânia Univ.
14 EUA Columbia
15 EUA Cornell Univ.
17 CAN Toronto Univ.
25 EUA Berkeley
32 JAP Toquio Univ.
35 JAP Quioto Univ.
46 CHN Pequim Univ.
47 EUA Brown Univ.
48 CHN Tsinghua Univ.
49 CAN British Columbia
50 ALE Heidelberg Univ.
53 ALE Técnica de Munique Univ.
65 ALE Munique Univ. (LMU)
71 SUI Genebra Univ.
78 SUI Zurique Univ.
112 FRA Sorbonne
127 BRA USP
166 CHI Católica Univ. – CHI
215 BRA UNICAMP
223 CHI Chile Univ. de
601 URU La República Univ.de

Comunidade universitária

As primeiras observações se referem ao número de alunos relatados por cada universidade. Os casos foram separados de forma a montar dois gráficos, sendo um para instituições com menos de 15 mil graduandos e outro para instituições com mais de 15 mil, conforme justificado acima.

Gráfico 1a

Gráfico 1b

É preciso precaução ao comparar os dois gráficos por conta da escala. O Gráfico 1a vai de 0 a 20 mil alunos, ao passo que o Gráfico 1b vai de 0 a 110 mil alunos. Dito isso, observemos as principais diferenças entre os dois grupos. Em primeiro lugar, é evidente a diferença de localização geográfica entre as universidades de um gráfico e de outro. O Gráfico 1a concentra o grupo de universidades estadunidenses, – com exceção da Berkeley (EUA) – todas as britânicas e todas as japonesas. Do outro lado, no Gráfico 1b, estão todas as universidades sul-americanas, as chinesas, as canadenses e as da Europa continental, com exceção da Universidade de Genebra (SUI). Ou seja, apenas duas das trinta e uma universidades selecionadas escapam do padrão geográfico citado. Outra regularidade se refere à posição no ranking de qualidade. Das dezesseis universidades que compõem o Gráfico 1a, apenas a Universidade Brown (EUA) e a Universidade de Genebra (SUI) não figuram entre as dezesseis mais conceituadas da amostra. Por último, é importante ressaltar o nível de formação dos alunos. Sete universidades do Gráfico 1a possuem mais pós-graduandos do que graduandos, sendo que apenas a Universidade Tsinghua apresenta esse quadro no Gráfico 1b.

O gráfico 2 apresenta o número de alunos por professor. Nesse caso, a diferença dos resultados entre as universidades consideradas melhores e piores é menos drástica. Nas quinze primeiras colocadas da amostra há, em média, 9,9 alunos por professor, com destaque para Cambridge e Yale, cada uma com menos de 3 alunos por professor.

Gráfico 2

A média para o segundo grupo, das dezesseis universidades menos bem colocadas no ranking internacional, por sua vez, é de 20,8 alunos-professor. Essa diferença de médias, no entanto, ainda não nos permite identificar diferença de modelo de gestão das universidades, pois as instituições alemãs apresentam uma relação muito discrepante na relação alunos-professor e puxam para cima a média das menos bem avaliadas. Excluindo-as do cálculo, as universidades piores colocadas passam a ter média de 12,4 alunos por professor, diferença pouco expressiva diante dos 9,9 alunos-professor observados no primeiro grupo.

Despesas orçamentárias

Em média, as universidades que compõem a amostra realizam 2,01 bilhões de dólares em despesas anuais (a média está representada pela linha vermelha do Gráfico 3). Olhando os valores brutos, volta a se evidenciar a diferença de padrão entre as universidades mais bem conceituadas e as menos bem conceituadas, diferença essa mais relevante do que a da relação alunos-professor. Todas as universidades sul-americanas e da Europa continental realizam despesas abaixo da média da amostra e, das sul-americanas, apenas a USP não apresenta menos que a metade da média. A Universidade de São Paulo possui o décimo segundo maior montante de despesas da amostra, 1,76 bilhões de dólares por ano.

Gráfico 3

Dividindo o montante total de despesas pelo número de alunos, a distribuição dos resultados apresenta ainda mais disparidades. O padrão de resultados por localização geográfica observada nos Gráficos 1a e 1b é novamente observada no Gráfico 4.

Gráfico 4

As universidades estadunidenses representam o modelo mais discrepante, sendo que, delas, a Berkeley apresenta a menor relação despesas-aluno e é a única que foi ultrapassada por universidades de fora dos Estados Unidos. Da Universidade Cornell (EUA) em diante, as colunas de despesas por aluno são muito pequenas, não mais ultrapassando 100 mil dólares anuais. As universidades do Reino Unido representam a única exceção do gráfico, pois gastam muito menos por aluno do que as universidades estadunidenses e, ainda assim, figuram entre as 5 melhores posicionadas no ranking. Entre as sul-americanas, nenhuma chega aos 30 mil dólares anuais por aluno. As japonesas, a British Columbia (CAN) e suíças passam a indicar um modelo intermediário entre os dois extremos, ao passo que as da Europa continental e a Universidade de Toronto (CAN) voltam a se aproximar do modelo observado nas sul-americanas.

Como esses números podem nos ajudar? Se seguirmos os modelos “de ponta”, seremos gloriosos?

Os dados acima indicam que a comparação entre as universidades ao redor do mundo não faz tanto sentido se pensarmos apenas nas avaliações de excelência dos rankings internacionais. A diversidade de resultados alcançados parece não estar ligada exclusivamente com recursos orçamentários ou tamanho das comunidades acadêmicas, mas sim com modelos de gestão. De um lado, temos universidades com melhor avaliação. São as que apresentam muitos recursos orçamentários, total de alunos menor e com número similar de graduandos e pós-graduandos. Do outro, temos avaliações piores. São as que apresentam menos recursos orçamentários, muitos alunos e com mais matriculados em cursos de graduação do que de pós-graduação. Parece pouco razoável pensar apenas em termos de rankings internacionais sem que os objetivos e missões das universidades com a sociedade, que impactam diretamente nos números que observamos, sejam avaliados – tarefa que também não fomos capazes de cumprir aqui.

O modelo de gestão da USP e os resultados acadêmicos alcançados estão longe de explicar a atual crise. Entender a atual crise passa pelo entendimento do que somos, por que somos, do que queremos e em quais pontos, dentro do modelo assumido pela USP, estamos com problemas de gestão. Não se trata de amenizar a baixa posição da USP nos rankings internacionais ou de afirmar que há (ou não) necessidade de mais repasses do Tesouro do Estado. Os papéis da USP – como a devolução dos investimentos públicos à sociedade civil em forma de conhecimento, responsabilidade na gestão dos recursos, grau de inclusão social nos cursos de graduação – são compromissos necessários e devemos nos nortear por eles quando buscamos diagnosticar as origens da crise financeira.

Usar Harvard, Princeton, MIT, Oxford e demais como parâmetro de comparação é pouco construtivo. A USP está situada em outro contexto e, pelos resultados que encontramos, parece buscar objetivos diferentes. Se quisermos entender a diferença entre o nosso desempenho e o de outras universidades precisamos saber, antes, com qual tipo de universidade estamos comparando, seus objetivos, modelo de gestão e, principalmente, situá-la em seu contexto pra que a comparação entre números soltos não seja tomada como a comparação entre fatos inquestionáveis que indicam eficiência ou ineficiência.

Sobre a (falta de) transparência na USP

No Brasil, duas leis impactaram fortemente o processo de planejamento das despesas públicas e os instrumentos de acesso à informação que municípios, estados e União precisam disponibilizar à sociedade: a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/2000) e a Lei de Acesso à Informação (Lei Federal nº 12.527/11). Em linhas gerais, a primeira estabelece limites para o endividamento público, metas fiscais e critérios para que determinadas despesas possam ser realizadas, visando a garantir o equilíbrio das finanças públicas. A segunda, por sua vez, estabelece regras para a prestação de contas das despesas públicas e disponibilização de documentos oficiais, tanto no que se refere ao nível detalhamento dos dados disponíveis quanto à facilidade de acesso e formato dos mesmos.

No post de hoje, propomos uma reflexão sobre a aplicabilidade da Lei de Acesso à Informação (LAI) ao caso da USP, tendo em vista a recente crise orçamentária. Já a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) será tratada num post futuro.

Institucionalmente, o que é a USP?

A Universidade de São Paulo é considerada uma “autarquia de regime especial”. As definições não são muito objetivas e, por vezes, abrem margem para confusão sobre quais poderes essas instituições têm (ou não têm) de fato. As autarquias de regime especial são instituições tuteladas pelo Estado, fundadas por meio de decreto e detentoras de autonomia financeira e administrativa. Como tal, a USP é regida por estatuto próprio, com atribuições e direitos específicos para o cumprimento de suas três funções: educação, pesquisa e extensão.

De acordo com o estatuto da USP, o Decreto-Lei Estadual nº 13.855/44 conferiu à universidade o caráter de autarquia. De 1944 em diante, todas as decisões administrativas passaram a ser responsabilidade da Reitoria, ainda que o controle econômico-financeiro fosse de competência da Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo. Em 1988, a Resolução nº 3.461 deu vigência ao estatuto atual da USP. Daquele momento em diante, a USP passou a gerenciar de forma autônoma todos os seus recursos financeiros e manteve sua autonomia administrativa, definindo suas diretorias, a competência de cada órgão, a constituição e as prerrogativas de seus conselhos, por exemplo.

Obviamente, a USP não se tornou uma entidade privada ou um Estado independente. A concessão de tais privilégios é voltada apenas para o cumprimento de suas funções específicas. Com isso, queremos lembrar que todos os demais aspectos aos quais instituições sob tutela do Estado estão subordinadas também contemplam a USP.

A Lei de Acesso à Informação é aplicável à USP, independentemente do caráter de autarquia de regime especial, conforme debatemos a seguir.

Transparência na USP

Dentre diversas categorias de órgãos submetidos à LAI, estão autarquias e demais entidades controladas direta ou indiretamente por municípios, estados e União. Sendo a USP uma autarquia de regime especial – e não havendo inciso que indique isenção específica às autarquias de “regime especial” –, é absolutamente razoável supor que a USP esteja sujeita às determinações dessa Lei.

De acordo com a LAI, todas as informações e documentos existentes que sejam de possível interesse público deveriam ser, espontaneamente, disponibilizados pelo órgão público por meios facilmente acessíveis (como sítios eletrônicos). No caso de indisponibilidade, as razões que limitam o acesso a determinado documento ou informação devem ser apresentadas ao cidadão.

Quais informações não podem ser acessadas em hipótese alguma pelos cidadãos? Há duas exceções principais para aplicação do sigilo. A primeira visa a proteger o direito individual de não exposição de informações pessoais. A LAI não chega a listar quais informações pessoais são restritas. No caso dos servidores públicos, por exemplo, pode-se tomar como informações pessoais o número de documentos, nome de dependentes e endereço residencial. A segunda exceção se aplica a informações “imprescindíveis” para a segurança do Estado e da sociedade e, nesses casos, o sigilo das informações só é válido para (i) a parte potencialmente danosa da informação e (ii) enquanto a informação oferecer risco. Ou seja, se parte de um documento sigiloso não oferecer risco algum, ela pode ser divulgada.

Tendo em vista a limitada lista de informações sigilosas, deveríamos encontrar com facilidade os dados referentes aos gastos com investimentos, infraestrutura, manutenção de equipamentos, despesas realizadas com programas de permanência estudantil, subsídios dos restaurantes universitários, aquisição de bens duráveis, viagens de docentes e funcionários a trabalho, contratos com empresas de terceirização, aluguel ou compra de equipamentos para pesquisa etc. A USP, porém, não disponibiliza os dados referentes a esses contratos e despesas com facilidade. Os anuários estatísticos catalogam como “outras despesas” todas aquelas que não correspondem ao pagamento de salários. Na categoria de “gastos com pessoal”, todas as despesas correlatas estão agregadas. No Portal da Transparência, o rol de dados disponíveis é bastante limitado (no tempo e nos assuntos a que se referem, sem mencionar o alto grau de agregação e o formato – fechado, em PDF – em que estão disponíveis).

Para o momento de crise e o debate atual, as despesas relativas a salários em categorias específicas de funcionários, o número de funcionários enquadrados nessas categorias ou subcategorias e o valor específico de cada salário pago deveriam ser divulgados, uma vez que esse conhecimento é de interesse público e não apresenta nenhuma ameaça à segurança pessoal dos funcionários (estamos nos referindo aos valores singulares de cada salário pago, contrato assinado, investimento realizado).

E por que essas informações não estão disponíveis? Eis a pergunta do momento. Estamos supondo que não seja pela falta de registro desses dados, nem pela falta de solicitações por parte dos cidadãos, o que é desnecessário para a divulgação, conforme a legislação.

Sabemos que, diante de uma crise financeira, a ausência de dados orçamentários dificulta a compreensão da conjuntura pela comunidade universitária e pela sociedade como um todo, o que também limita a reflexão sobre alternativas, reduz a confiabilidade das informações divulgadas por um ou outro grupo e polariza o posicionamento dos envolvidos no debate. Com base na Lei de Acesso à Informação, acreditamos que a USP devesse disponibilizar todas as informações relativas às políticas da instituição, os documentos dos órgãos (ou unidades) a ela subordinados, atas de reuniões de conselhos e comissões, relatórios referentes aos programas e projetos, metas fiscais, resultados de auditorias, íntegra de contratos e planilhas de pagamento, dados detalhados sobre cada investimento e cada gasto realizado ao longo do tempo, tudo em formato aberto e com acessibilidade.

No próximo post, continuaremos a analisar a conjuntura de crise a partir dos dados disponíveis – e torcemos para que eles estejam cada vez mais disponíveis.

Especial: Para uma discussão fundamentada sobre a crise na USP

Em 16 de setembro de 2014, os autores do Blog Crise na USP tiveram a oportunidade de publicar uma análise da situação da universidade no portal O Gusmão.

No artigo, foram avaliados os indicadores anuais de número de alunos, servidores e docentes, os repasses do Governo do Estado para a USP e a evolução dos gastos com pessoal e outras despesas, para que fossem confirmados/refutados três dos principais argumentos utilizados pela gestão Zago da reitoria e também pelos seus opositores, entre os quais servidores, docentes e estudantes em greve.

Você pode conferir a análise completa clicando aqui.

Gráficos 7: Gastos da USP, repasses do Estado e o desvio em relação ao padrão de gastos anterior à gestão Rodas

Gráficos 7: Gastos da USP versus repasses do Estado, e o desvio em relação ao padrão de gastos anterior à gestão Rodas

Como viemos discutindo, há diversas interpretações possíveis sobre as causas da atual crise financeira da USP. O debate vem se concentrando, porém, em dois grupos de afirmações. Por um lado, os críticos da reitoria – entre os quais, servidores e estudantes em greve – apontam que a universidade vem sendo expandida sem o necessário aumento de recursos repassados pelo governo do Estado e, ainda, teria havido um excesso de gastos supérfluos durante a gestão Rodas (2010-2013), por exemplo, com aquisições e construções de imóveis e abertura de escritórios internacionais. Por outro lado, a gestão Zago (atual) acusa o recente plano de carreira dos servidores técnicos e administrativos, negociado pela gestão Rodas, como sendo a origem dos atuais problemas orçamentários da USP.

No último post (clique aqui), começamos a investigar o argumento dos críticos da reitoria, que parecem ter certa razão ao apontar que a USP tem experimentado um crescimento geral (em número de cursos, alunos e área construída, entre outros aspectos) maior do que o aumento proporcional de receitas. Hoje, porém, vamos avançar especialmente sobre o outro lado desse debate – o argumento da gestão Zago. Vamos investigar a evolução dos gastos com pessoal e dos outros gastos da universidade ao longo do tempo, comparando-os depois com a evolução dos repasses do Estado. E vamos verificar, aí, se houve alguma mudança brusca no patamar dos gastos da USP com o novo plano de carreira dos servidores técnicos e administrativos. Como “brinde”, esses dados também nos permitirão verificar se é verdade (ou não) que houve aumento súbito de outros gastos por parte da gestão Rodas.

Plano de carreira

O novo plano de carreira, implantado na gestão Rodas, foi proposto em dezembro de 2010 e aprovado em maio de 2011. O principal objetivo desse plano era, aliado a um aumento das faixas salariais possíveis aos servidores e um aumento no valor do salário básico de todas as faixas, recompensar o bom desempenho com bônus que seriam incorporados ao salário principal.

Esse plano abriu uma possibilidade muito maior de mobilidade horizontal e vertical (no interior de uma mesma carreira, uma vez que não é possível que um servidor suba do nível básico para o técnico ou do técnico para o superior sem a realização de concurso público, como prevê a legislação) na carreira dos servidores, com diferentes níveis, mediante a avaliação de desempenho pelos chefes de departamento com base em diferentes critérios.

Nos primeiros posts, já demonstramos que o valor agregado do gasto com pessoal na USP subiu muito a partir de 2011. O próximo passo é avaliar mais a fundo como isso funcionou.

Evolução dos gastos e dos repasses

No gráfico a seguir, apresentamos a evolução dos gastos da USP com pessoal e com outras despesas. Todos os valores estão apresentados em bilhões de reais e foram devidamente corrigidos para valores de maio de 2014, usando o IGP-FGV como deflator (esse índice foi o escolhido porque é o mesmo usado pelos próprios anuários estatísticos da USP quando fazem correções monetárias). A série histórica começa no ano de 1986, ou seja, três anos antes da autonomia financeira da universidade, que se deu em 1989.

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Fonte: Elaborado a partir dos Anuários Estatísticos da USP, 1986 a 2013. Valores de maio de 2014.

É possível observar que os gastos com pessoal vêm apresentando tendência de crescimento desde que a USP obteve sua autonomia financeira. Mas houve duas grandes mudanças de patamar, dois “pulos” na trajetória. O primeiro, e maior, deu-se de 1994 para 1995, quando esses gastos cresceram aproximadamente 66%. Esse é um momento que reúne diversos eventos. Em 1995 houve, primeiro, substancial aumento de repasses pelo Estado por conta da modificação na alíquota oficial repassada. A USP passou a receber 5,0295% do ICMS estadual, contra os 4,46% que recebia desde 1989. Parece pouco, mas se trata de um crescimento imediato de 13% nos repasses. Já em 1989, havia o diagnóstico claro de que os repasses originais eram insuficientes e poderiam “quebrar” a universidade, transformando a autonomia financeira em uma armadilha. Por exemplo, uma reportagem da Folha de São Paulo acusava que “as universidades estaduais paulistas podem ficar sem dinheiro para pagar suas contas em fevereiro. A verba de 8,4% [alíquota geral de então para as 3 universidades] da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (…) mal dá para cobrir as despesas da folha de pagamento” (FSP, 14/02/1989, página C6). A manchete era sintomática: “Autonomia ameaça orçamento de universidades estaduais”. Não bastasse, o momento coincidiu com o início da estabilização da inflação no país, assim como a última mudança de moeda.

Já o segundo grande salto nos gastos com pessoal deu-se, precisamente, em torno do ano 2010, início da gestão Rodas. E, em especial, de 2010 para 2011, momento da transição para o novo plano de carreira. Ao mesmo tempo, é possível notar que os gastos com outras despesas mantiveram-se em tendência de estabilidade ao longo de praticamente todo o período, com poucas flutuações. Contudo, viveram um salto também na gestão Rodas.

No entanto, para verificarmos melhor esse cenário, vale a pena reproduzir novamente esse gráfico, mas com algumas modificações. Agora incluímos, para efeito de comparação, os repasses do Estado a cada ano (corrigidos para valores atuais, tal como descrevemos anteriormente). Além disso, traçamos linhas de tendência para os gastos, de modo a projetar para o período 2010-2013 os gastos que existiriam com pessoal e com outras despesas casos extrapolássemos a tendência vista entre 1995 e 2010. Em outras palavras, vamos projetar como estariam esses gastos caso não tivesse havido uma quebra na tendência na gestão Rodas. Para fazer isso, limitamos agora a série histórica ao período iniciado em 1995, por conta das especificidades concernentes a esse ano, como explicamos.

gastoserepasse1995

Fonte: Elaborado a partir dos Anuários Estatísticos da USP, 1995 a 2013. Valores de maio de 2014.

O resultado, bastante nítido, é tal que em 2010 – início da gestão Rodas – os gastos da USP passam a ficar muito acima da tendência que vinha sendo seguida de 1995 até então. E isso é verdade tanto no que se refere às outras despesas – indicando que de fato a gestão Rodas trouxe um aumento súbito de gastos diversos da universidade, como sugerem os críticos da postura da reitoria – como no que se refere aos gastos com pessoal – indicando, aí, que houve evidente explosão de gastos com salários na gestão Rodas, tal como aponta a gestão atual da reitoria.

Ambos os saltos são visíveis, mas, evidentemente, o dos gastos com pessoal mostra-se mais ameaçador. Enquanto os gastos anuais com outras despesas cresceram cerca de meio bilhão de reais, os gastos com pessoal aumentaram cerca de 1,5 bilhão de reais. Mais delicado ainda: enquanto os gastos com outras despesas podem ser cortados por decisão administrativa, os gastos com pessoal só podem ser diminuídos com a redução do quadro de pessoal ou com reajuste salarial abaixo da inflação (decréscimo de salário real). Ambas são soluções recentemente aventadas pelo reitor Zago: a primeira através do recente Programa de Demissões Voluntárias, e a segunda através da proposta de reajuste zero para os salários, que em maio de 2014 desencadeou a recente greve de servidores e docentes.

Cabe relembrar que não é nossa intenção aqui defender ou condenar nem as medidas da reitoria nem a greve que essas ensejaram, mas sim averiguar os pressupostos por trás de seus argumentos. Como conclusão, fica claro que os críticos da reitoria têm razão na crítica de que a gestão Rodas explodiu gastos diversos da USP, assim como já havíamos mostrado no post anterior: estruturalmente, parece que a expansão da USP vem muitas vezes se dando acima da expansão proporcional dos repasses.

Porém, também parece ser verdadeiro, e bastante evidente, que a gestão Zago acerta ao apontar que o gasto com pessoal explodiu entre 2010 e 2011, durante a gestão Rodas. Como já tínhamos visto em outros posts que o número de funcionários e de professores pouco ou nada cresceu ao longo do período, fica evidente que a explosão de gastos em 2011 deu-se por conta de aumento salarial, e não de novas contratações. Como também vimos antes, o aumento das faixas salariais dos professores não fugiu ao padrão histórico de seus aumentos salariais, enquanto as faixas salariais dos servidores técnicos e administrativos tiveram aumento abrupto precisamente a partir de 2011. Resta claro que a explosão de gastos com pessoal deu-se com a implantação do novo plano de carreira dos servidores, na gestão Rodas.

Assim sendo, juntando os resultados deste e dos posts anteriores, podemos chegar à interessante conclusão de que os argumentos de ambos os lados – reitoria e seus críticos – são razoáveis. Ainda que os problemas apontados pelos críticos da reitoria não fossem atingir a USP no curto prazo, tivesse sido mantida a trajetória de gastos prévia a 2010.

Gráficos 6: Primeiras observações sobre a “expansão da USP” frente à expansão dos repasses à USP

Que a situação financeira atual da USP é delicada, há pouca discussão. Contudo, como sabemos, há grande disputa sobre as causas principais dessa situação.

De um lado, a reitoria responsabiliza diretamente por esse cenário o crescimento do número de funcionários e o recente plano de carreira que teria elevado de modo irresponsável os gastos com folha de pagamento da universidade. Já avaliamos em outro post o primeiro argumento, mostrando que não é verdadeiro. E no post anterior, começamos a problematizar o segundo e principal, sobre o aumento salarial. Voltaremos a esse ponto com mais detalhes na semana que vem.

Hoje, oferecemos uma primeira análise, inicial, sobre os argumentos frequentemente oferecidos pelo outro lado desse embate, isto é, pelos críticos da reitoria, em especial os servidores e estudantes em greve e os movimentos sociais que os apoiam. Esses movimentos em geral sugerem outras razões para o cenário atual. Principalmente, apontam que a USP viria sendo alvo de expansão que não foi acompanhada do aumento de recursos a ela destinados – além de acusarem reitorias anteriores de gastos desnecessários com construções e aquisições imobiliárias.

Não é simples verificar a veracidade desses argumentos, especialmente o principal, que acusa a expansão da universidade de ter ocorrido acima dos aumentos de receitas da USP. Dois são os motivos para que isso seja difícil. Um é o fato de que enquanto os anuários estatísticos da USP possuem dados anuais em série histórica referente aos valores liberados pelo tesouro do estado de São Paulo, não há discriminação e muitas vezes informação alguma sobre verbas adicionais e sobre receitas adicionais. Por exemplo, sobre outras fontes de receitas da USP além do dinheiro regular vindo do estado. O outro motivo, ainda mais grave, é que embora os críticos da reitoria falem frequentemente em “expansão” da universidade, não há clareza sobre qual seria a definição desse conceito. E a partir daí, fica difícil saber como medir essa expansão.

Nesse sentido, para esta abordagem inicial adotamos as seguintes opções. No que se refere à receita da USP, trabalhamos com o que os anuários chamam de “liberação” de verba do estado – o que, suspeitamos, na quase totalidade se refere ao repasses do ICMS de que a USP tem direito. Como esse dado está presente em todos os anuários, ele nos permite uma boa comparação histórica. Vale ressaltar que todos os valores de repasses foram atualizados a valores de maio de 2014 usando como deflator o índice IGP da FGV (o motivo por usarmos tal índice é que é o mesmo usado nos anuários estatísticos quando deflacionam valores).

Já no que se refere a medir a expansão da USP, optamos por começar, hoje, por considerar a evolução das seguintes informações sobre a universidade: número de docentes, número de funcionários, número de alunos de graduação, número de alunos de pós-graduação, número de cursos (graduação+pós) ministrados e área total construída na USP.

Assim sendo, o gráfico a seguir apresenta a evolução desses dados, bem como das verbas liberadas pelo estado, em comparação ao valor que tinham em 1989, que é o ano inicial da autonomia financeira da USP. Números da expansão da USP desde a autonomia financeira (1989=1) Em resumo, essa figura permite visualizar quais dos números da universidade que vêm crescendo acima dos recursos repassados pelo estado. Reparem, por exemplo, que na contramão do discurso comum do reitor (e como já havíamos indicado nos primeiros posts), o número de docentes e de funcionários chegou a 2013 praticamente igual era em 1989, após um leve crescimento iniciado em 2008. O número de funcionários, na verdade, ficou até abaixo do que era em 1989. Além disso, entre 1989 e 2008, na verdade em todos os anos houve menos funcionários e menos docentes do que havia em 1989.

Ao mesmo tempo, fica claro que vem de fato havendo uma expansão do número de cursos que se deu, em alguns momentos, em ritmo superior ao crescimento dos repasses do estado. Ainda assim, pode-se dizer que no geral número de cursos seguiu de perto o padrão de crescimento do repasse do estado. Assim como aconteceu com o número de graduandos. Contudo, fica evidente que tendo 1989 como referência, houve uma explosão do número de pós-graduandos e um considerável crescimento da área construída da USP, ambos em ritmo maior do que o crescimento dos repasses à universidade. O crescimento da área construída foi bastante constante ao longo do tempo, enquanto o do número de pós-graduandos não: houve um pulo súbito no número de pós-graduandos, aumento de cerca de 50%, no exato momento do aumento oficial da alíquota do ICMS que é repassado à USP, ou seja entre 1994 e 1995. Depois disso, o crescimento segue intenso, passando de 1,5 vezes em 1995 o que havia em 1989 para 2 vezes em 2009. Desde então, nota-se nova aceleração desse crescimento.

Aparentemente, o momento de aumento da alíquota de ICMS repassado à USP foi um marco relevante. À primeira vista, parece um aumento pequeno: entre 1989 e 1995 a USP recebia 4,46% do ICMS estadual e, depois ao aumento, passou a receber 5,0295%. Contudo, trata-se de crescimento de 12,8% na fatia que cabe à universidade, de um ano para o outro. Mais importante ainda, na época o movimento pelo aumento do repasse era realmente amplo: havia a percepção clara de que a autonomia havia sido dada com recursos insuficientes. Por exemplo, já no ano inicial da autonomia, reportagem da Folha de São Paulo acusava que “as universidades estaduais paulistas podem ficar sem dinheiro para pagar suas contas em fevereir. A verba de 8,4% [alíquota geral de então para as 3 universidades] da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (…) mal dá para cobrir as despesas da folha de pagamento”. A manchete era sintomática: “Autonomia ameaça orçamento de universidades estaduais” (FSP, 14/02/1989, página C6). De 1989 a 1994, a pressão foi constante, no sentido de sensibilizar o governo estadual de que haviam, ao decretar a autonomia universitária, subestimado as necessidades financeiras.

Assim, foi dado então um aumento da alíquota em 1995, para os valores que conhecemos hoje. Uma nova realidade financeira parece ter sido estabelecida ali, permitindo até mesmo a rápida e imediata expansão no número de pós-graduandos, bem como o crescimento contínuo, mas mais suave, do número de graduandos e de cursos. Vejamos por exemplo o gráfico a seguir, que é exatamente o mesmo que o anterior, mas agora tomando como ano de referência o primeiro depois da nova alíquota, ou seja, 1996. Números da expansão da USP desde o último reajuste da alíquota de repasse de ICMS (1996=1) É possível notar que todos os dados da USP que utilizamos aqui cresceram acima do crescimento dos repasses durante boa parte do período que vai da nova alíquota até 2006. Desde então, o número de funcionários e de docentes cresceu abaixo do crescimento dos repasses, enquanto o resto cresceu ou junto ou acima. Ou seja, de fato, com ambos os momentos no tempo servindo de referência, nota-se que vem havendo certa expansão da USP que se dá realmente acima da expansão das verbas liberadas pelo estado de São Paulo. Sugerindo, assim, que o principal argumento dos críticos da reitoria, incluindo os servidores e estudantes em greve, pode ter um fundo de verdade.

Isso significa que é esse descompasso estrutural o responsável pelo problema atual, imediato, por que passa a USP? Não necessariamente. É possível que essa expansão da USP acima da expansão dos repasses fosse ser compensada no futuro, já que o padrão pode se dar em ondas. Ou ainda, pode ser que esse problema fosse mesmo uma bomba relógio, mas cuja detonação ainda estivesse muito longe no tempo e não seja responsável pela crise financeira atual. Para responder essas e outras questões, precisamos de mais informações. E é exatamente isso que vamos trazer nos próximos posts. Fiquem ligados!

Gráficos 5: Plano de carreira, evolução das faixas salariais e distribuição salarial atual da USP (junho/2014)

Um dos principais argumentos usados pela atual gestão da reitoria da USP é aquele de que o crescimento dos gastos com folha de pagamentos, causado pelo plano de carreira de servidores técnicos e administrativos implantado pela gestão anterior, levou a USP à insustentabilidade.

Para reagir à situação atual de mais de 100% do orçamento comprometido apenas com esse tipo de gasto, o atual reitor anunciou, antes das negociações com as entidades sindicais, um reajuste salarial zero para docentes e demais servidores, o que, na prática, significaria a diminuição do valor real dos salários, que não seriam corrigidos nem pela inflação acumulada no ano.

Cabe ressaltar, porém, que a medida foi direcionada tanto a servidores técnicos e administrativos quanto a docentes, apesar de que os últimos não tenham entrado num novo plano de carreira ou recebido um aumento salarial substancial durante a gestão anterior. Aliás, alguns docentes até argumentam que muitos servidores estariam, inclusive, recebendo salários superiores aos seus próprios.

O post de hoje tem o objetivo de levantar informações sobre salários para avaliar três fatores: (1) será verdade que o plano de carreira criado pela gestão anterior para servidores técnicos e administrativos representou um aumento substantivo nos salários dessa categoria? (2) Em termos de faixas salariais possíveis aos servidores, qual foi a evolução comparativamente às faixas possíveis aos docentes? (3) Qual é a atual distribuição salarial da USP ou, noutras palavras, quanto ganham um servidor de carreira e um docente hoje?

Assim, pretendemos desmistificar um pouco a discussão sobre salários, confirmando e refutando algumas hipóteses que têm surgido ultimamente, sobretudo com o anúncio de uma nova proposta de reajuste salarial na última semana.

 

  • Plano de carreira

O novo plano de carreira, implantado na gestão anterior da reitoria, foi proposto em dezembro de 2010 e aprovado em maio de 2011. O principal objetivo desse plano era, aliado a um aumento das faixas salariais possíveis aos servidores e um aumento no valor do salário básico de todas as faixas, recompensar o bom desempenho com bônus que seriam incorporados ao salário principal.

Esse plano abriu uma possibilidade muito maior de mobilidade horizontal e vertical (no interior de uma mesma carreira, uma vez que não é possível que um servidor suba do nível básico para o técnico ou do técnico para o superior sem a realização de concurso público, como prevê a legislação) na carreira dos servidores, com diferentes níveis, mediante a avaliação de desempenho pelos chefes de departamento com base em diferentes critérios.

Nos primeiros posts, já demonstramos que o valor agregado do gasto com pessoal na USP subiu muito a partir de 2011. O próximo passo é avaliar mais a fundo como isso funcionou.

 

  • Evolução das faixas salariais

Infelizmente, a USP não teve sempre o hábito de divulgar dados desagregados de gastos salariais. Em seus anuários estatísticos, por exemplo, não constava o número de servidores que pertencia a cada faixa salarial de cada categoria. Assim, é muito difícil acompanhar a evolução dos gastos reais com cada subgrupo.

No entanto, os dados disponibilizados ao público pelo Departamento de Recursos Humanos (clique aqui) permitem avaliar quais eram as faixas salariais existentes desde 1998, a partir das quais podemos responder a uma pergunta: é verdade que muitos funcionários ganham mais que um professor? Fizemos o seguinte exercício: para cada ano com dados disponíveis, pegamos as dezenas de faixas salariais possíveis dos servidores e calculamos qual proporção delas ficava acima do salário de um professor doutor ingressante na carreira (para quem consultou os dados diretamente na fonte, a carreira é a Prof. Dr. 1 – MS 3.1). O resultado é apresentado pela figura abaixo.

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Fonte: Elaborado a partir de Tabelas de Remuneração DRH-VREA, USP, 1998 a 2014.

 

Esse gráfico permite observar que, de fato, o plano de carreira implantado entre 2010 e 2011 fez com que houvesse uma forte aproximação dos salários possíveis dos funcionários em relação ao salário de um professor doutor ingressante. Antes do novo plano de carreira, cerca de 5% de faixas salariais possíveis aos servidores técnicos e administrativos eram maiores do que os salários de um professor doutor ingressante.

Depois do novo plano de carreira, essa proporção subiu para 32% das faixas salariais possíveis aos servidores, caindo em seguida para cerca de 25% – cinco vezes mais do que antes de 2011. Todavia, é preciso cuidado ao interpretar essa figura: ela apresenta as faixas salariais possíveis a um servidor que progrida na carreira ao longo do tempo, e não mostra o número de servidores que efetivamente se encontravam em cada faixa.

Portanto, respondendo à pergunta: é fato que os servidores obtiveram muito mais possibilidades de receber um salário superior ao de um professor doutor ingressante na carreira a partir de 2011, mas ainda não conseguimos responder quantos servidores efetivamente estavam nessa condição em todos os anos da série.

Mas nós conseguimos falar sobre o período atual. O Portal da Transparência da USP disponibiliza o número de docentes e servidores técnicos e administrativos que estão em cada faixa e nível salarial, por categoria, em junho de 2014 (clique aqui). Por isso, prosseguindo o exercício, fomos um pouco mais a fundo e constatamos o que mostra a figura abaixo.

 

 

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Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.

 

Hoje, o salário médio dos 17.221 servidores técnicos e administrativos da USP que trabalham em período integral é de aproximadamente R$ 5.930 – 44% deles recebem mais de R$ 6 mil por mês. Aproximadamente 15% recebem um salário bruto maior do que aquele recebido por um professor doutor ingressante na carreira. Não sabemos qual era essa proporção nos anos anteriores, e até aqui ainda não observamos em que nível (básico, técnico ou superior) esses servidores se encontram – isso será examinado mais à frente. Se a referência for o salário médio recebido pela população paulista que, conforme o IBGE, recebe em média 3,8 salários mínimos (R$ 2.751,20, considerando o salário mínimo atual de R$ 724), verificamos que cerca de 90% dos funcionários da USP têm rendimento superior à média da população do Estado.

Entretanto, mais uma vez, alertamos: cuidado. É óbvio que somente essas informações não permitem, sozinhas, avaliar profundamente a situação financeira da universidade, e muito menos devem servir para atribuir culpa a alguém – em especial, essas informações não devem servir para demonizar o servidor público da USP. É fato que essa categoria recebe salários brutos muito superiores à média populacional paulista, mas isso deve ser contextualizado em torno de todo o histórico de valorização da universidade e das categorias profissionais a ela dedicadas: não causa estranheza o fato de a USP oferecer carreiras prestigiosas, uma vez que ocupa posição de liderança acadêmica e conta com um aporte de recursos muito superior aos de outras universidades públicas do País. A leitura mais prudente, talvez, seja a de que o crescimento salarial recente na USP foi proporcionalmente maior para servidores técnicos e administrativos do que para docentes, embora o prejuízo imposto pela sugestão de um reajuste zero em 2014 fosse prejudicar igualmente as duas categorias.

Porém, ainda falta algo: nós falamos sobre o aumento desproporcional dos salários entre as duas categorias, mas ainda não mostramos quanto eles recebem. Além disso, docentes e servidores possuem planos de carreira diversificados, com diferentes níveis e faixas, e não mostramos quantas pessoas se encaixam em cada uma. Quanto recebe um docente da USP hoje? Quantos são os servidores de nível básico, técnico e superior? O salário de um professor titular e de um doutor são muito diferentes? Também fizemos esse exercício, como é mostrado a seguir.

 

  • A distribuição salarial na USP hoje

Como já mencionado, os dados disponibilizados pela USP permitem quantificar exatamente quantos docentes e servidores técnicos e administrativos encontram-se em cada nível e faixa salarial em junho de 2014. Com essa informação, pudemos avaliar a famigerada distribuição salarial da USP: se 15% dos servidores recebem mais que um professor doutor ingressante na carreira, qual é esse grupo de servidores? Quanto recebe um professor doutor, associado e titular? Ou, muito antes, quantos servidores e docentes se enquadram em cada nível e faixa salarial? A figura abaixo responde a essa última pergunta.

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Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.

Atualmente, a USP possui 17.439 servidores técnicos e administrativos, que se dividem entre 17.221 que trabalham em período integral e outros 218 que trabalham em período parcial (20 ou 30 horas semanais) e recebem salários proporcionais à sua jornada. A maior parte dos servidores – 8.093 – são de nível técnico, seguidos por 5.141 de nível básico e 4.203 de nível superior. A categoria “outros” inclui 2 servidores em níveis que já não existem no atual plano de carreiras. Já entre os docentes, que totalizam 6.192, a grande maioria – 5.334 – é formada por docentes contratados segundo o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), vulgarmente conhecido como “dedicação exclusiva” à USP. Há, também, os docentes contratados nos regimes de turno parcial (RTP) – 109 –, de turno completo (RTC) – 670 – e os professores contratados, que possuem contratos temporários, e totalizam 79.

Porém, além dos regimes de trabalho e níveis hierárquicos, os servidores e docentes também se distribuem por níveis salariais previstas em seus planos de carreira, como mostram as figuras a seguir.

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Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.

Como se observa acima, os servidores técnicos e administrativos podem ser divididos por 15 níveis salariais, cada um subdividido em outras faixas, totalizando dezenas de configurações possíveis. A maior parte dos servidores se concentra nos níveis iniciais da carreira, denominados 1, 2 e 3, e uma menor parte ascendeu aos níveis de “topo de carreira”, 4 e 5. Como é de se esperar, tanto a progressão horizontal nas faixas quanto a progressão vertical nos níveis 1 a 5 são acompanhadas por aumentos dos salários. Também se incorpora ao salário a gratificação por tempo de serviço, que corresponde a um percentual salarial incorporado ao salário bruto conforme os anos passam. Entre os docentes, a distribuição em níveis salariais é dada conforme mostra a figura abaixo.

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Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.

O plano de carreira dos docentes é menos complexo que o dos servidores técnicos e administrativos. Os auxiliares de ensino, assistentes e colaboradores são minoritários. A grande maioria de docentes (mais da metade) se encontra no nível de professor doutor, que é dividido em dois níveis salariais – o inicial agrega mais de 2.000 docentes e o segundo reúne mais de 1.100 deles. O próximo nível hierárquico é o de professor associado, que se divide em três níveis salariais, grupo com quase 2.000 docentes. Finalmente, o grupo dos professores titulares reúne mais de 1.000 docentes e só permite a progressão horizontal, uma vez que já é considerado o “topo da carreira” docente na USP.

Mas as informações demográficas só nos permitem dizer quem está em qual grupo, e quantos eles são. O próximo passo de nosso exercício foi avaliar a distribuição de salários brutos na USP em faixas de mil reais. Tendo em vista que a grande pergunta até agora foi “será que os servidores ganham mais que professores?”, tentamos montar uma espécie de “pirâmide salarial”, no mesmo estilo das pirâmides etárias demográficas, que resultou na figura abaixo (clique na figura para ampliá-la).

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Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.

Observa-se claramente a disparidade entre os salários de ambas as categorias, consideradas de forma geral. Os servidores, muito mais numerosos (cujo total equivale a aproximadamente três vezes o total de docentes), concentram-se nas faixas iniciais da pirâmide. Aproximadamente 23% dos servidores recebem salários brutos entre R$ 3.001 e R$ 4.000, e mais de 16% recebem entre R$ 6.001 e R$ 7.000. A partir dessa faixa, o número de servidores nas faixas superiores é quase sempre decrescente, embora ainda se observem muitos deles nas faixas mais altas – pudemos observar que, segundo os dados disponíveis, um total de dez servidores recebe entre R$ 19.001 e R$ 21.000 por mês. Por fim, observe-se que há, sim, uma quantidade relevante de servidores em faixas acima de R$ 9.001, onde se concentra a maior parte dos docentes.

Já entre esses últimos, eles ocupam todas as faixas salariais – inclusive a mais alta, de R$ 22.000 ou mais, com uma proporção relativamente significativa. Quase 5% deles recebem entre R$ 4.000 e R$ 5.000, embora esse valor seja baixo em comparação com a média para a categoria, mas esses docentes que recebem R$ 1.000 a R$ 9.000 concentram boa parte daqueles contratados em regimes de turno parcial ou em contratos temporários, motivo pelo qual a remuneração é proporcionalmente reduzida. Ainda assim, a grande maioria recebe R$ 9.001 ou mais. Quase 20% recebem entre R$ 9.001 e R$ 10.000 – faixa em que se concentra a maior parte dos professores doutores, que são a maioria dos docentes. E parcelas muito relevantes se distribuem nas faixas superiores.

Outra forma de apresentar a mesma informação encontra-se na figura abaixo, que traz os mesmos dados, mas permite observar a composição de cada faixa salarial por servidores e docentes, em números absolutos (clique na figura para ampliá-la).

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Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.

Assim, observamos que os servidores compõem a maior parte do grupo que recebe as faixas iniciais, e sua participação vai decaindo gradativamente até as faixas superiores, cuja maioria é ocupada por docentes. Isso é esperado, tendo em mente a estrutura da universidade. Porém, tendo em mente essa mesma estrutura, é de se chamar atenção o fato de que parcela importante dos servidores encontra-se nas faixas entre R$ 9.001 e R$ 15.000.

Porém, quais são esses servidores, isto é, a que níveis hierárquicos eles pertencem? E quanto aos docentes, quais deles ocupam as faixas superiores? Seriam somente os titulares? E qual é a dimensão da disparidade entre os salários de diferentes níveis hierárquicos, para ambas as categorias? Esse foi o último passo de nosso exercício.

Mas antes de passar a isso, vamos recapitular alguns conceitos importantes de estatística descritiva. Para resumir uma grande quantidade de dados, temos diversas medidas disponíveis que privilegiam um ou outro aspecto de uma distribuição. A primeira medida, que já usamos aqui, é a média: ela aponta a “metade” dos valores observados, somando-se todos eles e dividindo-se pelo número de observações. Por sua vez, a mediana nos mostra a “metade” dos indivíduos, ou seja, metade deles encontra-se acima daquele valor, e a outra metade encontra-se abaixo dele. Os quartis seguem a mesma intuição, e referem-se a cada uma das “metades” indicadas pela mediana: um quarto (25%) dos indivíduos está abaixo do primeiro quartil, um quarto (25%) está acima do terceiro quartil. E os valores máximo e mínimo, como é de se esperar, são respectivamente o maior e o menor valor que encontramos.

Pois bem, feita essa recapitulação, a figura a seguir apresenta a distribuição salarial entre servidores que trabalham em regime integral, que representam 98,7% dos servidores técnicos e administrativos da USP.

Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.
Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.

Nessa figura, encontramos caixas e linhas. Tomemos a primeira caixa, referente aos servidores de nível básico. A linha inferior termina no valor mínimo: R$ 1.863,60. Esse é o menor salário bruto recebido por um servidor do grupo. Subindo, o limite inferior da caixa corresponde ao primeiro quartil, e nos diz que 25% dos servidores de nível básico recebem até aproximadamente R$ 2.000. Mais acima, a linha entre as partes verde e lilás da caixa nos dá a mediana: 50% dos servidores do grupo recebem menos de R$ 3.286, e os demais recebem mais do que esse valor. O limite superior da caixa nos dá o terceiro quartil: 75% recebem até cerca de R$ 4.000, e os outros 25% recebem mais que isso. Finalmente, a linha superior termina no valor máximo: o maior salário de um servidor de nível básico em junho de 2014 foi de R$ 7869,18. Com isso, já podemos fazer comparações. O grupo de servidores de nível técnico recebe salários melhores que os do grupo anterior – como seria de se esperar, uma vez que estão um nível hierárquico acima deles – apresentando valor mínimo superior a R$ 3.200, mediana de R$ 5.880,30 (ou seja, metade deles recebe até esse valor, e a outra metade recebe mais que isso) e valor máximo de R$ 11.607,07. Já os servidores de nível superior recebem salários muito maiores que os dos grupos anteriores. O menor valor é de R$ 6.366,11, e o maior é de R$ 21.616,66, com uma mediana de R$ 9.384,30. Porém, cabe destacar que os salários muito altos são minoritários, pois 75% do grupo recebem até cerca de R$ 12.000 por mês.

Também avaliamos os salários de docentes seguindo a mesma lógica. A figura abaixo apresenta o exercício para os docentes em RDIDP (“dedicação exclusiva”) em níveis de professor doutor, professor associado e professor titular, que reúnem 86% dos docentes da USP.

Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.
Fonte: Elaborado a partir de Portal da Transparência, USP, 2014.

 

A disparidade entre os níveis hierárquicos dos docentes é muito maior que aquela observada entre os níveis de servidores técnicos e administrativos, considerando as medianas e os primeiros quartis de salários dos três níveis de uma e de outra categoria. Os professores doutores têm entre si grande variabilidade salarial, mas metade deles se concentra entre aproximadamente R$ 9.000 e R$ 10.000, 25% recebem entre R$ 10.000 e R$ 11.074 e o restante recebe salários de até R$ 17.618. Porém, quando se trata de professores associados e titulares, é muito notável a diferença de patamar salarial: a mediana de associados é próxima dos R$ 15.000, e para os titulares esse índice é superior a R$ 20.000. Claramente, os professores doutores seriam os mais prejudicados com a proposta de reajuste salarial zero, comparados com seus colegas de níveis hierárquicos superiores.

Entre os servidores, a variabilidade salarial proporcional no interior de cada nível hierárquico é muito maior do que aquela no interior de cada nível dos docentes, que concentram salários de doutores em patamar muito inferior ao de associados, e concentra todos os titulares em patamar muito superior. Observamos que um grupo minoritário de servidores se encontra no grupo de quem recebe salários maiores que os de professores – sobretudo, entre os de nível superior, em que 25% do subgrupo recebem salários maiores que R$ 12.000.

Como conclusão de nosso exercício, que exigiu a construção de um banco de dados muito volumoso para a produção das figuras apresentadas, descobrimos que a distribuição salarial da USP não é tão simples quanto se poderia pensar. Há muito a ser descoberto sobre os impactos da política salarial da universidade adotada nos últimos anos – um dos principais fatores é o de que a oferta de dados sobre isso é muito limitada. Também consideramos extremamente importante tomar os dados apresentados em seu contexto histórico, à luz da valorização da universidade pública como instrumento de organização e valorização também das categorias que nela trabalham. Mais do que simplesmente constatar que “servidores e docentes da USP ganham muito”, julgamos que a questão-chave está em observar como as diferentes administrações geriram o orçamento como um todo, em que a política salarial é apenas um dos aspectos relevantes. E não se observaram dados sobre a terceirização de serviços como segurança e limpeza, que também têm baixíssimo nível de divulgação e nos parecem ser descentralizadas entre as diferentes unidades da USP – e por isso serão assunto para outro post, assim como será a expansão física da universidade vis-à-vis a evolução de receitas e despesas do órgão. Fiquem ligados!

Gráficos 4: Docentes, funcionários e relação com número de alunos da USP desde 1989

Entre os fatores que podem ter contribuído para a crise financeira atual da USP, dois que são sempre lembrados pelo novo reitor e por outras autoridades da universidade são a expansão do quadro de funcionários e a explosão recente de salários. Aqui nós abordamos o primeiro ponto, do aumento numérico de funcionários e de professores. Assim, damos continuidade à proposta de analisar os dados oficiais da USP e pensar sobre a crise financeira.

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É possível reparar, nos gráficos que enviamos aqui, que desde 1989 o número de professores, na verdade, se mantém basicamente o mesmo. Já o número de funcionários cai até 2000 e depois começa apenas a recuperar, lentamente, o que havia em 1989. Considerando o que vimos nos gráficos enviados ontem, isto é, que houve considerável aumento do número de alunos, os gráficos de hoje mostram que isso não se verifica para docentes e funcionários.

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Ao mesmo tempo, na verdade, é possível notar que o crescimento proporcional da verba repassada pelo Estado para a USP (em valores corrigidos para maio/2014 pelo IGP-FGV) foi bem superior à evolução proporcional do número de professores e funcionários. Isso mostra que, proporcionalmente, não houve explosão alguma de número de professores ou mesmo de funcionários. Ainda assim, esses dados não bastam para averiguar se houve explosão de gastos com pessoal.

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Finalmente, podemos avaliar um dos argumentos mais recorrentes sobre a crise financeira da USP: a relação entre alunos e docentes e aquela entre alunos e funcionários. A terceira figura apresenta essas razões para o período 1986-2013. Não houve a explosão proporcional do número de funcionários, de forma que a razão entre alunos e funcionários era de 3,9 alunos por funcionário em 1986, oscilou durante o tempo e chegou ao atual patamar de 4,9 alunos por funcionário.

Por outro lado, a relação alunos/docentes, que já era de praticamente 10 alunos por docente em 1986, praticamente só fez subir durante o período observado, variando apenas na intensidade. Em 1995, com a explosão do número de pós-graduandos (como mostramos ontem), essa relação subiu para 11,5 alunos por docente, e a proporção continuou subindo até o patamar atual, de 14,3 alunos por docente. Por isso, é fato que o número de alunos tenha crescido muito mais intensamente do que o número de docentes nos últimos 20 anos.

Entretanto, ainda falta entender como entram nessa conta os contratos de terceirização de serviços como limpeza e segurança, como se deu a expansão da área construída e do número de cursos e unidades da USP no período, e como as receitas e despesas se distribuem entre tudo isso. Esses são assuntos para os próximos posts.

Gráfico 3: Graduandos e pós-graduandos desde 1989

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O primeiro gráfico apresenta o número de alunos de graduação e pós-graduação para o período 1989 – 2013. É possível notar que em 1995, ano no qual ocorreu o último aumento na alíquota de ICMS repassada à universidade, houve um forte aumento no número de alunos de pós-graduação, de 14 mil para 20 mil alunos. O mesmo, no entanto, não ocorreu na graduação, que manteve-se no patamar de 73 mil alunos em 1995, muito próximo do que já era observado nos anos anteriores. O aumento mais significativo da graduação ocorreu entre 2001 e 2008, que pulou de 78 mil para 109 mil alunos.

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Ainda que o número bruto de alunos na graduação tenha crescido muito, o aumento na proporção de alunos em pós-graduação (147%) da USP entre 1989 e 2013 foi muito superior ao da graduação (47,7%), conforme mostra o segundo gráfico. O principal período que marca essa discrepância teve início justamente quando a USP passou a receber 5% das receitas de ICMS, com crescimento imediato dos programas de pós-graduação e continuidade da estagnação no número de alunos de graduação até 2001. O crescimento da pós-graduação entre 2001 e 2013 foi de 24%, mas não é possível indicar que essa proporção de crescimento mais modesto nos últimos 12 anos reflita políticas de prioridade à graduação, pois os programas de mestrado e doutorado passaram por evolução praticamente ininterrupta nos últimos 19 anos (a maior queda foi de 0,002%, em 2002).

O aumento no valor correspondente às verbas de ICMS (corrigido pelo IGP-FGV para valores de maio/2014), indicado pela linha vermelha tracejada, foi de 57%, superior ao observado para alunos da graduação e muito inferior ao observado para a pós-graduação.

Gráfico 2: Verba liberada pelo Tesouro do Estado de SP (valores corrigidos para maio/2014)

Essa segunda figura mostra os recursos liberados pelo estado de São Paulo para a USP, por ano, desde 1980 até 2013 (em valores de 05/2014, corrigidos pelo IGP-FGV). O repasse de ICMS para as universidades estaduais foi fixado em 8,4% desse imposto em 1989 e aumentado para 9,57% a partir de 1995 (patamar em que está até hoje, com 5,0295% indo para a USP).

Contudo, o gráfico que mostramos deixa claro que, embora a alíquota de ICMS que o estado de São Paulo destina à USP pouco tenha variado, o montante efetivo liberado vem crescendo consideravelmente. O valor passou do equivalente a R$ 1,7 bilhões em 1980 para aproximadamente R$ 4,3 bilhões ano passado. Um crescimento de 153%. Desde 1995, quando a alíquota foi alterada pela última vez, o repasse cresceu 43% (vindo de cerca de R$ 3 bilhões).

Se, por ora, é possível perceber que não é verdade que os repasses ficaram estáveis enquanto a universidade era expandida, isso não significa, é claro, que os gastos da universidade e a expansão da universidade tenham crescido de forma a obedecer ao crescimento das receitas. Veremos mais sobre isso nos próximos posts.

Gráfico 1: Gastos executados, por tipo de despesa, Universidade de São Paulo, 1986 a 2013 (valores corrigidos pelo IGP-FGV de maio/2014).

Fonte: Elaborado por Fabricio Vasselai a partir dos Anuários Estatísticos da USP, 1986 a 2013.

Essa primeira figura mostra os gastos executados pela USP com pessoal e outros tipos de despesas. De maneira geral, entre 1986 e 2013, observa-se uma tendência de crescimento dos valores gastos tanto com pessoal quanto com outros gastos. Esse segundo tipo variou de R$ 354 milhões (1986) para R$ 1 bilhão (2012), enquanto o gasto com pessoal variou de R$ 1,3 bilhões (1986) para R$ 4,3 bilhões (2013) – todos esses valores foram corrigidos pela inflação, usando o IGP-FGV de maio/2014.

Em particular, observa-se que os períodos 1993-1995 e 2010-2012 se destacam por uma tendência de crescimento de gastos com pessoal muito mais intensa do que no restante do período. Mas isso não basta para compreender a dinâmica do jogo orçamentário da Universidade, pois é preciso conhecer a evolução das receitas, a expansão da USP em número de alunos (de graduação e pós), docentes e servidores não docentes e na infraestrutura física e a criação do famigerado plano de carreira dos servidores em 2011, para que se possa tecer qualquer comentário que não seja meramente panfleto, alarme ou ‘achismo’ sobre o quadro. Em que se baseia a greve em vigor na USP hoje? Os argumentos de todas as partes (Reitoria, SINTUSP, DCE, Adusp, mídia) contemplam todos os aspectos do problema?

Os próximos posts trarão informações sobre os repasses do Tesouro do Estado à USP, informações demográficas sobre a Universidade e outros dados essenciais para uma análise séria da situação da USP. Fiquem ligados!